O Rio Feio
II
Memória
perimetral
Esta e
outras fotos em:
Com a
demolição do elevado da Perimetral, o Rio de Janeiro perpetua o título de
cidade do ”bota abaixo”. De tempos em tempos, marcos arquitetônicos de eras desvalorizadas são radicalmente
subtraídos da paisagem urbana em nome de um perene ideal de modernidade utilizado
pelas classes políticas como sedutora moeda para a conquista da opinião pública.
Meu pai, em uma
de nossas conversas de finais de semana, não conseguiu esconder a sua
decepção com a confirmação da notícia da demolição. Octogenário engenheiro das
eras getulista e juscelinista, ele se recorda de que na
época de sua construção a sexagenária
Perimetral foi recebida como uma façanha tecnológica, o elo definitivo de
ligação entre as regiões norte e sul da
cidade. É verdade que próprio viaduto,
em sua escala quilométrica, foi também instrumento de obliteração do passado,
se superpondo, por exemplo, à região do Cais
da Prainha , arrasando Mercado Municipal
da Praça XV e mutilando visualmente em
sua subida a antiga Casa do Trem (atual
Museu Histórico Nacional).
Hoje a Perimetral passa a pertencer ao grupo de homúnculos que obstrui o avanço
da cidade em sua eterna busca de auto-afirmação no cenário mundial. Os seus predicados
de outrora não são levados em consideração. O viaduto tido como feio, pesado, desvaloriza
a região do Cais do Porto e até prejudica o fluxo do trânsito. A sua remoção
passou a ser vital para o desenvolvimento local, na perspectiva da Copa e dos Jogos Olímpicos. A memória do que a
Perimetral foi um dia nada mais representa e, lamentavelmente, não justifica a
sua preservação no tecido urbano. A ela será negada condição de patrimônio
arquitetônico da cidade. É inevitável a
lembrança da abertura da antiga Avenida Central
(atual Rio Branco) a pouco mais de cem anos, quando estes mesmos valores
( ou a falta deles?) já norteavam a evolução do espaço urbano
carioca.
Poucas foram
as manifestações, apenas algumas a nível acadêmico, contrárias à demolição do elevado. Em tempos de preocupação com emissões de carbono e preservação de recursos
naturais, é evidente que esta ação irá
custar uma enormidade em termos de consumo
energético. A este aspecto está sendo
superposto o discurso positivista do
desenvolvimento e da geração de empregos e de lucro, sempre tido como
justificativa irrefutável para o desgaste
que uma ação desta magnitude representa.
Perde-se então
mais uma vez a oportunidade de ser tomar uma atitude para com a cidade em
conformidade com a sua memória. A Perimetral
espelha em sua presença os ideais
de uma era e só isso já justificaria a
sua preservação. O fato de ela
constituir um provável obstáculo aos planos de desenvolvimento configura sim o
desafio estimulante de introduzi-la neste processo, para que ela possa vir a ser integrante da
nova imagem do Cais do Porto. Propostas não faltam, e, levando em consideração
as diferenças geoeconômicas, alguns exemplos de intervenção semelhantes feitas no exterior comprovam a viabilidade da
preservação da Perimetral como estrutura viva e participante na modernização da
infra-estrutura urbana.
Sobre a
história da Perimetral:
O Highline Park em Nova York, exemplo de proposta de uso alternativo para este tipo de espaço:
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